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Culturas exóticas revelam potencial da agricultura inovadora no semiárido

Pitaya e café ganham espaço nas cidades de Cerro Corá e Jaçanã e transformam a economia no campo
Por Redação
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Pode das terras áridas do Seridó potiguar ser produzido café ou pitaya? A garra do sertanejo prova que sim. Apesar de serem plantios tradicionais das regiões Sul e Sudeste do Brasil, produtores potiguares têm obtido êxito nesses cultivos e já projetam a expansão dos seus negócios.

Com uma carreira consolidada no ramo da cibersegurança, o parelhense Jafet Araújo decidiu há quatro anos retornar ao ambiente rural. Inicialmente com a ideia de suprir os custos da propriedade adquirida na Serra de Santana, em Cerro Corá, ele optou por investir em um plantio. “Eu quis tentar a pitaya porque queria algo bem diferente, para ter maior valor agregado. Talvez, com uma cultura local, a gente não teria como alcançar o equilíbrio econômico do sítio na totalidade”, relata.

A pitaya roxa do Pará demonstrou ser a mais adequada para a região do Seridó.

Como todo início de algo ainda pouco conhecido na região, Jafet errou na primeira escolha da variedade de pitaya — que não se adaptou à localidade. Atualmente, ele cultiva a “roxa do Pará”, escolha acertada, bem adaptada ao solo com água salina, em uma plantação orgânica, com adubação natural e sem aplicação de defensivos.

O que inicialmente tinha a finalidade de equilibrar as finanças familiares tem tomado proporções maiores. Com o sucesso das vendas — em 2024, a safra chegou a 15 toneladas — Jafet comprou outra propriedade na Serra, onde fará um novo plantio, com outras variedades. “Ainda estamos pesquisando, mas a ideia é ter umas dez variedades diferentes para testar e ver quais se adaptam melhor”, diz.

A expectativa vai além da expansão da sua própria produção. Jafet percebe que seu trabalho tem inspirado outras iniciativas na região. “Acredito que, daqui a uns dez anos, a gente vai ter muita exploração de pitaya por aqui, porque o pessoal tem percebido a viabilidade econômica — até mais do que as culturas tradicionais, como o maracujá, muito forte na região”. Para favorecer esse movimento, ele distribui mudas durante o período de podas.

Café no Seridó

A pandemia, que fez o mundo parar, trouxe um novo movimento à família de Diogo. Há cerca de cinco anos, durante o período de quarentena devido à Covid-19, ele se refugiou na propriedade rural da família, na região serrana de Jaçanã-RN, e reencontrou 2 mil pés remanescentes das 10 mil mudas de café trazidas por seu avô na década de 1980, das quais era produzido o antigo Café Rio Grande.

Diogo conta que, ao despertar para o cultivo, buscou informações sobre manejo, variedades das plantas e frutos. “O meu primeiro pensamento foi produzir para o café industrial, mas ao buscar o apoio do Sebrae, fui despertado a novos conhecimentos e percebi que poderia produzir um café valorizado, o café especial”, relata.

Em Jaçanã-RN tem sido produzido café de categoria especial. Foto: Daísa Alves

Diferente das produções tradicionais, um café especial exige maior rigor em seus processos. Por exemplo, a cereja do café – o fruto, é colhida manualmente, com um longo processo de secagem — para não queimar o grão e preservar o sabor. Outro diferencial, implantado por Diogo, são as iniciativas sustentáveis na plantação, como o cultivo do café consorciado com cajueiro, que produz sombra às plantas e possibilita melhor desempenho.

Afinal, o clima semiárido, a sensibilidade do cafezal à falta de água e a ausência de tecnologias apropriadas são os principais desafios enfrentados no cultivo do café no sertão — mas vencidos pela persistência e força de vontade. “No nosso sertão, a gente consegue produzir tudo que imaginar, e um produto com excelência. O Rio Grande do Norte tem um potencial incrível que não está sendo aproveitado”, considera o produtor.

O cafezal consorciado à plantação de cajueiro é uma iniciativa sustentável que tem promovido bom desempenho da plantação. Foto: Daísa Alves

Em 2021, Diogo plantou mais de 8 mil pés de café com mudas trazidas da Bahia. Desde então, vem colhendo boas safras — a mais recente, em 2024, resultou em 40 sacos de café, cada um com 60 kg. Agora, os planos são de expansão na cadeia produtiva e diversificação dos produtos. Para isso, ele está investindo em sistema de irrigação e entrando na torrefação. Em seguida, o desejo é diversificar o portfólio para o food service.

Culturas exóticas impulsionam inovação no campo potiguar

Este sucesso de culturas consideradas exóticas para o sertão — como café e pitaya — reforça a inovação como um caminho promissor para valorizar o campo, diversificar a economia e estimular a permanência das novas gerações na atividade rural. Para o gestor do Agro+RN, do Sebrae-RN, Elton Alves, essas experiências mostram que é possível transformar a realidade do semiárido a partir do uso estratégico da tecnologia de baixo custo e do conhecimento.

A existência de produtores que apostaram no café e na pitaya em regiões serranas do interior potiguar é, segundo ele, a comprovação de que há um novo movimento no campo.

Vemos café e pitaya sendo produzidos com qualidade extraordinária. E o mais importante: com produtores abertos a testar, inovar e buscar valor agregado. Essa é a chave para transformar a realidade local, afirma Elton Alves, gestor do Agro+RN, do Sebrae-RN.

Elton reforça que não existe fórmula única para o sucesso no campo. “Cada propriedade tem uma história, um solo, um perfil de produtor. Nosso papel, enquanto instituição de apoio, é entender esse contexto e, a partir dele, oferecer soluções assertivas para cada realidade. Quando isso acontece, a propriedade deixa de ser apenas um espaço de produção e se torna um motor de desenvolvimento local”.

Da mesma forma, para o coordenador de Temas Internacionais do Ministério da Agricultura, Roberto Papa, o que acontece hoje no Rio Grande do Norte reflete uma tendência nacional de transformação da agricultura a partir de novos modelos produtivos.

Culturas que antes pareciam improváveis para o nosso estado hoje fazem parte da realidade graças à inovação. Esse processo de diversificação agrícola não transforma apenas as propriedades rurais, mas reconfigura a dinâmica econômica dos estados, destaca Roberto Papa, coordenador de Temas Internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária.

Segundo ele, o uso de tecnologias adaptadas, como bioinsumos e sistemas avançados de cultivo, tem permitido a expansão de culturas em regiões que antes eram consideradas inóspitas para determinadas produções.

Ele ressalta ainda que essa descentralização da produção favorece o abastecimento regional e reduz impactos ambientais. “Com produtos sendo cultivados mais próximos de onde são consumidos, temos menos transporte, menor emissão de CO₂ e mais eficiência logística. A agricultura de baixa emissão de carbono ganha força e posiciona o Brasil de forma mais positiva no mercado internacional, mostrando que é possível crescer com responsabilidade ambiental”, conclui.

O mercado está pronto

O mercado também está pronto para acompanhar esse movimento de transformação no campo. Na visão do presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no Rio Grande do Norte, Thiago Haddad, há uma disposição mundial, especialmente entre empresas de alimentos e bebidas, de valorizar produtos locais.

Segundo ele, essa preferência traz uma série de vantagens: redução de custos, acesso a ingredientes mais frescos e menos industrializados, e o fortalecimento da imagem dos estabelecimentos junto aos consumidores, especialmente as novas gerações.

Você economiza, trabalha com um produto mais saudável e ainda exerce um papel social importante. Ser reconhecido como uma marca que utiliza insumos locais tem muito apreço, afirma Thiago Haddad, presidente da Abrasel.

Ele destaca que o mercado está plenamente aberto a receber matérias-primas produzidas regionalmente — o desafio, agora, é alinhar a capacidade de fornecimento da cadeia produtiva. Para que a agricultura familiar e os pequenos produtores participem efetivamente dessa cadeia, é necessário montar uma estrutura logística que garanta regularidade, qualidade e legalidade.

Ainda assim, ele reconhece que muitos produtores no estado já operam em larga escala e têm potencial para atender ao setor de alimentação fora do lar — bares, restaurantes e similares. Mas faz uma ressalva: “Precisamos olhar também para os pequenos, para os que produzem em escala familiar. São esses que, muitas vezes, entregam um produto de altíssima qualidade, feito com cuidado e identidade local”.

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